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20 setembro 2021

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O Desafio
ROGERIO SANTOS

a folha em branco é um grande desafio

a seca, a fome, a desesperança
o-dia-mais-quente-do-ano
a possível quebra da bolsa chinesa
mais um furacão no Golfo do México

o banho de sangue no mar da Dinamarca
a pizza do vagabundo numa rua de Nova York
o foguete que leva Elon Musk para um passeio no espaço
a explosão de um vulcão nas Ilhas Canárias

uma pirâmide malfadada de criptomoedas
a energia que falta e a energia que promete faltar
o inferno que um dia abrigará os malas falhas
o canto de um teimoso bem-te-vi no ipê-amarelo

nada disso consegue me induzir a escrever
tudo isso é pueril diante de uma folha em branco

a folha em branco é um grande desafio
que só aceito enfrentar com a força do sorriso
da mulher guerreira que me encanta com seu canto

(20.09.21)



11 agosto 2021

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Dedo de Deus
ROGERIO SANTOS
(para a melodia "Salar de Uyuni", de Julio Lemos)

Quem sabe o gosto desse sal
põe os olhos nesse céu
no sendeiro do condor
onde a estrada é natural

tanto me dediquei
tanto que me entreguei
- dedo de Deus

Quem cabe inteiro nesse azul?
quem sobe ao topo de um vulcão

o silêncio engole a dor
numa lágrima vertente
do compositor

Quem sabe o peso de um luar
Refém de uma eterna solidão
quem vê brigar constelação
quem, Orion ou Escorpião?

Quem faz da noite catedral
quando o vento no quintal
vem soprar um verso bom

Quem?... Quem?...

Quem sabe o gosto das maçãs
inventor das manhãs
vai garimpar talismãs
emoldurar em elãs
bordas do céu, doces afãs

eu quero a pena do poeta e do pintor
eu quero a pala da palavra
e quero amor pra lapidar
paciente labor
pra produzir cada cor
cada sinal redentor
pra procurar sol em som
e som em sol e sombra

paz pra traduzir cada tom
todos os nós, os bemóis
e sustenidos faróis

pra saber qual o gosto desse sal
procurar pôr os olhos nesse céu
cabe inteiro nesse azul
no sendeiro do condor
onde a estrada é natural
o silêncio engole a dor
bordas do céu, doces afãs
- dedo de Deus.



19 janeiro 2021

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Costa da Lagoa
ROGERIO SANTOS
(para tema de Chico Saraiva)

base, trincheira
abre toda a beira
clave primeira
casa da costeira

aconteceu certa vez
Iara mãe das águas
ouviu meu violão
chegou pra namorar
e se encantou

corte, clareira
barra, corredeira
duna, esteira
doma feiticeira

quando ela vem me encontrar
um coro de cigarras
irrompe pelo breu
seu corpo envolve o meu
até queimar:

“...e antes que o céu mandar
eu volto pra te ver
encontro beira mar
no canto do tiê

te chamo, vem silvar
e sou no seu querer
no som, no respirar
viajo com você...”

moro na praia de lá
onde a lua vem nascer
sempre que a noite chegar
minha canção vai dizer

moça dos olhos de areia
enche de azul meu viver
um vagalume clareia
enquanto espero você

moro na praia de lá
onde a lua vem nascer
antes da noite acabar
minha canção vai dizer

um conto de caiçara
uma saudade a doer
sempre que canta a cigarra
sempre que canta o tiê

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