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28 março 2007

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Liga Pontos
ROGERIO SANTOS

não sei porque alguns insistem
numa luta contra o tempo
ele, tão bom barqueiro
nos nina em seu travesseiro
nos vela os primeiros passos
abre um leque de sabores
atrela na vida os amores
é um deus da simplicidade

um vivente mais atento
aliado em cada fase
aprende a dançar no tempo
brinda a vida, coisa rara
quem se apega, vão, ciúmento
fatalmente perde tempo
porque o bem maior que fica
é pontilhar seus momentos

até que a vida permita
até que a morte os separe

18 março 2007

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Revoada
ROGERIO SANTOS

Se o Martim é pescador
É João quem é de barro
Quem te beija é Beija-flor
Então quando pintas, silgo !

Sabes que te Quero-Quero
Vem Saíra-Sete-Cores
Carcará, Tucano-Toco
Rolinha-Fogo-Apagou

Pelos céus da minha terra
Quis dançar com Tangará
Mas bati com Trinca-Ferro
Com seu Bico-de-Pimenta

Foi chegando um Cardeal
Com um bando de Bicudos
Eis que Saí-Amarelo
Deu siricutico-tico...

17 março 2007

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Disfarce
ROGERIO SANTOS

não venha dar uma de besta
com essa cara de cú
pois isso só comprova
o tamanho da sua cagada

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Dança de Outono
ROGERIO SANTOS

por entre as paredes soturnas
dos prédios da Avenida Paulista
o som do vento passeia sorrateiro

pelo leito desse cânion urbano
onde vidas deslizam feito água
ninguém se dá conta dos passos

é o outono que pede licença
bate à porta da margem direita
e reinicia seus rituais de dança

na blusa fina da elegante menina
a piscadela derradeira
dita o ritmo da música no salão

a chuva que castiga a cidade
no final do mês de março
carrega de lágrimas o verão

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Brinquedo
ROGERIO SANTOS

na orelha
um brinco
um aro
um elo


na mão úmida
trêmula
a dúvida
o medo

no carmim
na moldura
da boca
um ninho

no encontro
um desejo
na pele
brinquedo

08 março 2007

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Velocidade de escape
ROGERIO SANTOS

carrego o brilho de sete luas
uma cauda de poeira prateada
sou um vagabundo do espaço
cruzando a noite no céu da tua boca

salivando amalgamada tinta
das estrelas que caem sem brilho
no campo fértil de um buraco negro
onde a limite é a pura sevícia

contra teu corpo galáxia mistério
prossigo numa elíptica viagem
passageiro espaçonave meteoro
refém da gravidade fora-da-lei

07 março 2007

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( No detalhe - Gabriel, o mais belo poema de Solange Firmino )

Casa
ROGERIO SANTOS

casa
é
um
mundo
de
onde
se
parte
para
se
fazer
do
mundo
uma
casa

06 março 2007

88



Atraque
Rogerio Santos

não há nesse mundo disfarce possível
nem lenço nem pelo nem pele nem nada
sem choro sem riso sem máscara civil
sem pálpebras jorram teus olhos da alma

não sirva-se assim tanto desconfiada
qual fossem sinais luminárias de albergue
com lentes escuras mudando a prumada
meus olhos bem sabem que a eles persegues

a réplica o tétrico a bruma que tarda
fustigam por dentro no gozo contido
inundam-se fendas nas ventas da alma
separam-se pernas desnudam sentidos

a dança o doce frescor de florada
um raro relógio calado no grito
a língua se banha na terra molhada
um peixe mergulha senhor do infinito

04 março 2007

87



Tapete Mágico
ROGERIO SANTOS

Lá pelas bandas de Minas
No meio dos mares-de-morros
Dizem que mora um caboclo
Que fez um tapete que voa

Não tenho cara de besta
Tenho ouvido calejado
E fui conferir ligeiro
O dono desse legado

Já sabia onde era Minas
Por famoso doce e queijo
Pelas obras mais diversas
Por contos de sertanejos

E pelas belas mulheres
Que abundam por suas ruas
Dizem que são mais de dez
Pra cada homem que atua

Famoso na região
Ouvi dizer que esse tal
Tinha por Patrocínio
A sua terra natal

Mas será o Benedito?
Fazer tapete que voa?
De fato não acredito
Mas tinha ouvido uma loa

E mineiro tem um ritmo
Que segue curso de rio
E rio só é verdadeiro
É água dançando no cio

Quando o nativo proseia
É forte que nem cachoeira
Mas se fala brando e lento
Vê de longe a cabeceira

É soneca e pasmaceira
Depois de uma cachacinha
É viola e tamborzada
Na festa da padroeira

E falando em padroeira
Procurei por Patrocínio
E achei coisa engraçada
( Já viu cabaço de freira? )

O mapa das terras mineiras
Parece uma máscara adunca
Típica cara de bruxa
Num carnaval de Veneza

E Patrocínio onde fica?
Bem no meio do nariz
Por onde circula esse aroma
Carregado de beleza

Eu gostei logo de cara
Dos pés de jabuticaba
Das ladeiras e botecos
Um quintal que não se acaba

Perguntei pela cidade
Pra toda gente que vi
Se ainda morava ali
O dono da habilidade

E toda gente dizia:
- Amigo, ele aqui vivia
Até que num dia calmo
Partiu com o seu tapete !

Procurei pela família
Até deparar no portão
Era o lar de Dona Diva
A oficina do artesão

Foi lá que fiquei sabendo
Das estórias do menino
Que desde muito bem cedo
Dominou tecido fino

Trabalhou nesse projeto
Com astúcia de arquiteto
Costurando ponto a ponto
O mais requintado tapete

A linha era de palavras
O tear de folhas brancas
A tinta de madrugadas
Lembranças de sua gente

Num dia de revoada
Partiu com a passarada
Foi poesia pelas nuvens
Ganhou mundo na tangente

( Em homenagem ao poeta mineiro Nathan de Castro )