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31 janeiro 2008

148



Primas e rimas
ROGERIO SANTOS

hoje virou modinha
como kiwi na caipirinha
um ou outro poeta
condenar o verso em rima

gritam que é arcaico
que empobrece a poesia
como coisa que poema
fosse afeito a maestria

cerveja, por exemplo:
- cê veja que rima com tudo!
e é vocábulo promíscuo
na baixa gastronomia

limão rima com pinga
e se deita à bistequinha
se der um caldo na anchova
não ache que é perda de linha

(sem falar da saladinha
aquela bem safadinha
de alface, cebola e tomate
rainha das preliminares)

gin com tônica dá rima
conhaque vai bem com charuto
cereja procura o martini
como uísque ao guaraná
(aliás, nas costas da a água-com-gás)

alguns um tanto "old fashion"
constroem o verso e a rima
como quem acha que prima
é só aquela filha da tia

sem tempero não tem jeito
nem salada nem bisteca
não há nenhum drink que preste
nem poema que se preze

mas caçar regra pra ser "cult"
a antítese que me desculpe
camisinha se usa no sexo
não em quem verso esculpe

dedo em riste para o escalpo
rumo em curva ou linha reta
quem puder com ralho e rolha
que rime musa com poeta

22 janeiro 2008

147



Matinal
ROGERIO SANTOS

acordar os acordes
e aflorar a canção
na casa do peito
o passo no tempo
no fogão o compasso
toque de percussão
no tic-tac do relógio
a lembrança da nota
abstrair a música
do café da manhã
dia após dia mirar
navegar a canção
a vida e seu curso
a estação e o ciclo
o amor que renasce
nos pequenos gestos
a criança que mora
no sabor do mamão
e cantar no chuveiro
e cantar todo dia
para espantar os males
e abraçar a paixão

20 janeiro 2008

146



Nós
ROGERIO SANTOS

no jogo silêncio
e nós por dentro
na pele a rubrica
a face rubra
na mão o cabelo
afagolpente
na noite infinita
adornosfurta
o lábio o degrau
a língua absorta
no corpo abissal
edemardente
um beijo um punhal
nacordafruta
perfume quintal
roséa difusa
é descomunal
dualciática
no jogo o silêncio
e nós por dentro
sem sombra nem som
nem som de vento
torrente torpor
em moviemento

19 janeiro 2008

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Do banheiro
ROGERIO SANTOS
(a Ronaldo Werneck)

aprendi com um grande poeta
que leitura à vera
tem lugar no banheiro
entre uma e outra
necessidade primitiva

afinal de contas
não se usa rosário
nessas horas:
onde o animal aflora
não se conta azulejos

pela incômoda psoríase
cabe bem evitar
certas dores de cotovelo
desnecessárias:

- é sábio
...mesmo longe do copo

16 janeiro 2008

144



Dentro e fora (Autismo)
ROGERIO SANTOS

por dentro um mundo
por fora a casca
portas e janelas
cerradas

por dentro um mundo
por fora há água
frisos e frestas
penetradas

por fora um mundo
por dentro há água
trancas e ferrolhos
oxidados

por dentro um mundo
por fora alarde
alicates, alavancas
e pés-de-cabra

por dentro um mundo
por fora um rito
força de vento
som de atrito

por fora um mundo
por dentro morada
portas e janelas
escancaradas

11 janeiro 2008

143



Provérbios
ROGERIO SANTOS

não tente me alugar
vísceras nem súplicas
sou feliz com meus testículos
e erupções lúdicas

não tente parábola
nem correria no jogo
a bola procura o craque
metáfora é metade meta

não precipite lágrimas
para não desidratar
não aumente o tom de voz
melhor poupar tuas cordas

pegue o fio da meada
névoa baixa sol que racha
gato nasce de bigode
vagalume com lanterna

portanto aceite o caminho
desfrute a simplicidade
plantei na porta de casa
um comigo-ninguém-pode

10 janeiro 2008

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Aviãozinho
ROGERIO SANTOS

de tanto planejar
enfim chegou o dia
e te dobrei sem escapatória
e te fiz aviãozinho
e com toda força
na corrente de vento
te arremessei bonito
e você voou bem alto
e girou sem medo
bailou sem rumo
e ganhou o mundo
lindo e leve brinquedo
borboleteando
no lume do céu azul

09 janeiro 2008

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Doce de Poesia
ROGERIO SANTOS
( para Cláudia Gonçalves )

é doce a moça e transforma gesto em carinho
é doce a moça e faz do aceno matéria
é doce a moça e faz maré de magia
é doce a moça e baila nua menina
e flutua, rodopia
e cintila, multiplica
chove noite, dorme dia
chove noite, dorme dia
chove noite, dorme dia
doce, doce
corda, tecla
poesia

06 janeiro 2008

140



Apelo
ROGERIO SANTOS

Não me nine em vão
Não me embale
Não me passe anel
Não me fale
Não me diga sim
Não me deixe só
Não me parte assim
Não me cale

Não me beije assim
Não me false
Não me embale anel
Não me talhe
Não me seja só
Não me siga em vão
Não me deixe enfim
Não me falhe

Não me pode assim
Não me cape
Não me tire a fé
Não me date
Não me seja pó
Não me meta o pé
Não me tenha dó
Não me mate

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( foto by Cherrie )
África
Música: Marcelo Maita
Letra: Rogerio Santos


desenho
de beira de litoral
teu corpo
é porto de se sonhar
no encontro
mistura de céu e mar
há cores
que os olhos vão marejar
na pele
a ponte da África
cravada
na palma da minha mão


04 janeiro 2008

138



Pluma
(para Tatiana Parra)
ROGERIO SANTOS

um vento joga a pluma no ar
navega pelo céu devagar
te quero linda, muito linda
sol que gira à viajar
plena chama, doce hermana
faz do palco seu altar

eternamente tenha lugar
um sopro até poder respirar
te quero linda, muito linda
nuvem pétala lunar
plena bruma, pluma espuma
faz da voz meu mar

bendito ar te invada os pulmões
o teu cantar valsa aos violões
te quero linda, muito linda
flutuando pelo olhar
plena bruma, pluma espuma
luz e mantra de ninar

03 janeiro 2008

137



Enquanto
ROGERIO SANTOS

enquanto o tempo desata
- nós passageiros -
a flor da simplicidade
amadurece na quinta

enquanto o tempo discorre
na foz do desejo
a cor da complexidade
reinventa arco-íris

é quando o tempo desfila
picardia no picadeiro
cria nova brincadeira
põe para girar o destino

A linha se espreguiça
e despreza as amarras
nunca se importa com nós
- bate-cara -

A linha se espreguiça
e despreza as amarras
nunca se importa com nós
desvenda o esconderijo

02 janeiro 2008

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(Ciranda: Wanfran Guedes)
Ciranda
ROGERIO SANTOS

o começo
e o fim
são aqueles
dois pontos
onde entramos
e saímos
da brincadeira