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24 dezembro 2007

135




Lima-da-Pérsia
ROGERIO SANTOS

não te aflijas
pelo que não falo
que te entrego
tudo aquilo que calo
uma fonte
vertendo teu nome
uma lua
no teu horizonte
essa pele
em busca do afago
no desejo
bem dissimulado
flutuar pelos meridianos
no sorriso
que tenho guardado
nos teus acres
tão bem demarcados
território traído no mapa
no teu viço
por cada centímetro
seja eterno
esse som do teu trino
e o aroma
de lima-da-pérsia
no perfume
na tez do tecido
na visão
paraíso do olfato
paladar
dirigível no tato
ouça moça
no veio do laço
não te aflijas
pelo que não falo

10 dezembro 2007

134



Poema Calado
ROGERIO SANTOS

dá dó de poema
com pouca trama e muita trema
dá nó no poema
o muito drama, a pouca cena
adoro poema geográfico, pornográfico
adoro poema espiral, espacial
dá dó de poema esquelético, arquétipo
dá nó no poema, o lânguido, o pândego
adoro poema de rio, de mar
adoro poema calado; calar
parte, profundidade da fruta
da sanha, da carne, da gruta
nem tudo é pavão, misterioso leito
são rios e rio, e rio calado
embarcado na mesma viagem
em busca do equilibrio absoluto
margem direita palavra
margem esquerda intuição
acionados sonares dilemas
sigo calado e flutuo poemas

133



Arrependimento
ROGERIO SANTOS

Chorei uma Guarapiranga por você
Já fui até Marsilac prá te ver
Pensei em fazer rapel na Sumaré
Quem sabe me vias no SPTV

Eu sei que tem muita gente por aí
São quase uns vinte milhões (ou por aí)
Mas eu sou sentimental, fazer o quê ?
Não fecho meu quebra-cabeças sem você

Não sei bem ao certo porque me abandonou
Meu peito tem hoje mais túneis que o metrô
São Paulo é uma esquina e a gente vai se ver
Não fecho meu quebra-cabeças sem você

Bixiga foi onde tudo começou
Você garçonete lá no bar do PT
Eu ia tomar saideira na calçada
Até te cantar prum café no meu chatô

Do beijo pro amor foi uma questão de tempo
Do amor pro ciúme não sei porque razão
Eu nunca fui homem de bater em mulher
Só nuns militantes do PSDB

Cheguei até Pedra Branca e fui a pé
Olhar lá do alto se via algum porque
Lembrei da minha Cantareira de paixão
Na boca de urna do FHC

O ciclo fechou como uma obturação
Até os "companheiro" são tudo "pelegão"
Eu vou te encontrar numa dessas batucadas
Contar que hoje em dia até eu tô no "centrão"

Comprei um par de sapatos, e dos bons
Comprei duas taças e um moet chandon
É tudo prá ti, meu amor, meu coração
Saudade em doze parcelas no cartão
Dou casa, comida, calor e um mensalão...

02 dezembro 2007

132



Réquiem
ROGERIO SANTOS

um lápis e um segredo
represam um poema
evocam adagas
de géiser-panema

catarro na boca
estrofe latente
um lapso e um desejo
omitem um poema

efunde pelo corpo
febril alarido
ciclone de foice
faz grito no poente

na sombra se cala
o pássaro fonema
a lápide serena
remonta um poema

23 novembro 2007

131



Estação Orbital
ROGERIO SANTOS

uma saudade repentina
arrebata meus hemisférios
é na curva do teu cheiro
furta-fogo chocolate
constelado céu da boca
libe o ventre do poema
e não se lê pelas vitrines
beijo caco verossímil
cruza o cosmo feito um míssil
e atinge o alvo espelho

ao errar na madrugada
Ganimedes pira em órbita
Io em teu lábio inferior
e milimétricos tremores
no epicentro da epiderme

07 novembro 2007

130



Carmim
Música: Marcelo Maita
Letra: Rogerio Santos

por criar raiz
dentro dos teus olhos
não sou, sem você em mim
tatuei com os meus dentes
teus lábios, os teus carmins
(meus carmins)

cada beijo teu travado,
envolto - exorto
via vasos, nu jardim
deflorando primaveras
quimeras na luz cetim
dos teus carmins

vôo refém pelo teu céu
da boca fito a manhã
e da paixão cega
essa luz faz o dia
relance, festim

explodem cores pelo ar
e vão tomando azul do mar
descortinando o amanhecer

não vou fugir desse destino
ser, nesses ecos de você
dança de sonhos pelo ar
e vou morar no teu olhar
em cada novo amanhecer

flor, raiz, amor
você...

27 outubro 2007

129



psicografia
ROGERIO SANTOS


não carregues peso morto

pelo tiro à queima roupa

sem ele eu jamais saberia

que o silêncio tem o gosto
de uma boa anestesia

24 outubro 2007

128



Beijo-Torpedo
Poema: ROGERIO SANTOS
Música: TONY PITUCO FREITAS

Ouça Aqui - Voz e Violão - Tony Pituco Freitas

num dia nublado desses
te mando um beijo-torpedo
e explodo tua boca carmim
o susto será tão grande
que ficarás assim...assim...

enquanto pensas no fato
no zapt da situação
me cravo no teu coração
tatuo minha boca em tua nuca
e será tarde pro fim...pro fim

127



Gol ou Google ?
ROGERIO SANTOS

quando se sai a caça
de nova palavra
aquela, no emaranhado
que fecha o sentido
que cria o atalho
que corta o caminho
que estala as idéias
que geralmente cozinham
na fuça, na cara
mascando batalha
no nó do novelo
no cortante da linha
promessa de vôo perene
quando se pega de jeito
a palavra engendrada
aí chega a hora
de ir pro abraço
temperar a salada
de dar a garfada
de meter a boca
de matar a fome
de gritar bem fundo
do fundo da alma
da linha de fundo
da bola cruzada
na entrada da área
o pique, a chegada
é gooooooooooool
(ou google ?)

19 outubro 2007

126



Preciosa
ROGERIO SANTOS

teus olhos vitrines
trines, trines, trines
teus olhos vitrines
multicolorido todo
defletor rubi
mó esmeralda
botica jaboticaba
trine, vitrine, trine
vitrine, trine, vitrine
vitrificado toldo
mosáico modelo
prosa poética
vivanexa vitrine
farol turmalina
curvilínea anca
avança dégradé
viril vitrografia
su-bli-me

10 outubro 2007

125


( O beijo: Gustav Klimt )

Beijo Perdido
ROGERIO SANTOS

um beijo em silêncio
invade a noite carioca
enquanto uma bala perdida
busca um alvo adormecido
o sol que escorre da flor
na síntese do alimento
no instante derradeiro
o beijo busca um abrigo
no porta-retrato da estante
paira um recorte argumento
é como se nesse silêncio
ainda portasse um sorriso
o beijo jogado no tempo
explode no meio da boca
para a bala contratempo
de movimento tenente
a bala em fração de segundos
coadjuvante em contracena
se cala atingindo a parede

29 setembro 2007

124


( De 01 à 06 de Outubro, vou curtir esse congresso... Também sou filho de Deus e de Baco...rs )

A festa de Bacca
ROGERIO SANTOS

na verve do vinho
há tinta de sangue
que jorra no verso

na taça onímoda
o brinde-cidade
da festa de Bacca

sagrada vindima
colheita bendita
tinteiro de Baco

enfeita a fruteira
centelha poema
de átomo ato

( Para o poeta Ademir Bacca )

09 setembro 2007

123



Reforma
ROGERIO SANTOS

em casa sou asa
em caso que eleja
peleja e litígio
inseto de frutas
quintal de palavras
sou lavra de larvas
minhocas, lampejos
prego percevejos
martelo de letras
ampulheta, paráfrase
parafuso difuso
alicate abacate
sabor enjambrado
por sal e açucar
extraio das sobras
de sombras profusas
a seiva do novo
reciclo o telhado
espatifo as vigas
e me recolho lenha

07 setembro 2007

122



Na tua porta
ROGERIO SANTOS

tudo é mistério
nesse teu jeito
sempre deflete
tudo que penso
abafa um grito
nos quatro cantos
não deixa frestas
na tua porta
nem há escada
para a sacada
nem um caminho
para os teus olhos
de tua língua
nas madrugadas
de quando falo
aos quatro ventos
do meu amor
trocado em versos
é como fosse
sangrar de morte
em toda língua
que não falamos
que não beijamos
por todo lado
ensandecido
quarto de lua
que já não tenho
lado de dentro
evaporado
por todo poro
por onde choro
ejaculado

01 setembro 2007

Folha de Cima Comemora 2 anos !



31/08/2005

essa data merece um brinde

dois anos depositando palavras
numa casa construida
para minha desorganização poética

121



Braçado
ROGERIO SANTOS

trago dentro de mim
um horto
onde cultivo minhas flores
onde colho meus próprios frutos
onde ouço o canto dos pássaros
onde caminho nos finais de tarde
onde transito pela seiva de acordes
entre tantas e generosas árvores
que abrigam com boas sombras
as borbulhas úmidas do chão de terra
onde o tempo deposita cada folha
num abraço outonal afetivo
no ciclo das quatro estações

alheio aos alardes acachapantes
dos que propagam flores de plástico
emblemático e precioso resplendor
na contramão da nespereira florida

22 agosto 2007

120



Dormente
ROGERIO SANTOS

avante
colcha-de-retalhos
no leito do trilho
no chão da calçada
no vão da mortalha
na cegueira branca
no dom da preguiça
na beira da praia
num ponto esquecido
tira transversal
logotipo adiante
o dormente

16 agosto 2007

119



Elegância
ROGERIO SANTOS

a elegância
vai muito além
da aparência

apresenta toques florais,
amadeirados
imunes a percepção
de qualquer olfato

brilhos vitrais
multicoloridos e invisíveis
nuances e tons
com uma dose prima
de sinceridade

a elegância é um conjunto
e toca nota por nota
uma doce melodia
até invadir todo espaço
e por para bailar os sentidos

13 agosto 2007

118



Incontinente
ROGERIO SANTOS

travo uma luta diária
com a poesia:
- porque teima
em transbordar todo dia?

minha cabeça-de-vento
persiste em içar velas
não dando espaço à calmaria

117



Jardim de Poesia
ROGERIO SANTOS
( para Andréa Motta )

quando
um
cataclismo
encontra
um
jardim
de
poesia,
desvia.

10 agosto 2007

116



Meio-Fio
ROGERIO SANTOS

Asfalto
A água bate forte
Busca o fundo do vale
Desce ladeira
Bueiro entupido
Uma criança brinca na corredeira
Com barquinho de papel

A água não escolhe caminhos
Arrasta o barquinho
Arrasta a criança
Cruel geografia
Da vida por um fio

Da janela do edifício
Uma família acompanha
Arrasta os olhos
Não pode fazer muita coisa
Uma lágrima no ar

Sirenes e luzes
Aprontam a luta
Na boca da noite
Pressentindo a escuridão
A cidade grita
Atrai carniceiros

Entre nuvens indecisas
Lamúrias, lamentos
O tempo melhora
Mas não para todos

O rio arrasta uma vida
Triste canto do tiê

27 julho 2007

115



Santa Clara
ROGERIO SANTOS

abençoai, Santa Clara
os olhos de quem repara
nos tantos sóis que carregas
no prisma das gotas d´água

quando repousa nos seixos
quasar de rara escala
um mantra de percussão
ametista e diamante

por cada conta do terço
a luz resplandece na aura
no gelo da ducha vertente
mergulho meu sétimo chakra

no compasso desse encontro
corredeira inusitada
deposita sedimentos
na trilha da Pedra Selada

por isso sou teu devoto
e deixo promessa paga
um poema verdadeiro
pelo caminho das águas

23 julho 2007

114



Pecado Original
(A verdadeira Peleja de Adão)
ROGERIO SANTOS

enquanto Adão
mordia a maça
a cobra malandra
espreitava a aranha
doidinha por rango
naqueles confins
sem gato nem lebre
urubu vira frango

Adão dolorido
aleijão de costela
depois da dentada
pulou da galhada
mirou pelo guizo
de corno aprumado
e o forrobodó
foi aquiprocado

sem arma de fogo
que isso não tinha
na força das mãos
vergou a danada
mostrou para o bicho
o que era peçonha
que em terra de macho
buliu vai pro tacho

deu nó na tinhosa
assim diz o causo
falado e corrido
matou foi de fome
Adão foi pra roça
por causa da cobra
diz velho ditado
que pouco me engana

a aranha faceira
tão cheia de pernas
bichinho ordinário
caiu nesse mundo
finou-se amarrada
a cobra teúda
e Adão se perdeu
foi atrás da peluda

17 julho 2007

113


Areado
ROGERIO SANTOS

Todos os dias
Sentinela do sol
Abria as janelas
Rotina de rito
Respiração

Cabelos molhados
Captava música
Centelha de vento
Explosão de luzes
Respiração

A casa faz parte do todo
E o todo é a plena casa
Onde os pés firmam raízes
E a mente faz revoada

15 julho 2007

112



Fato
ROGERIO SANTOS

saudade
é questão de profundidade
para mergulhar fundo nessa questão
recomenda-se escafandro

14 julho 2007

111



Deriva
ROGERIO SANTOS

Na noite densa
Nem sinal
De terra firme
O mar
O desespero
Em cada onda
Ultrapassada
Energia perdida
Inércia renovada
Direção qualquer
Imaginário farol
Aponta o rumo
Do nada

06 julho 2007

110




Divagar e Sempre
ROGERIO SANTOS

o elevador
que atende
à todos
passou
por aqui
e estava
lotado

subindo

pelo sim
pelo não

vou descendo
bem devagar

mas pela escada

04 julho 2007

109


(Passarada-Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes)
voz
ROGERIO SANTOS

em vôo particular
a voz de quem canta
permeia a grandeza do pássaro

desapego e generosidade
encontra uma porta de entrada
invade a alma ao chegar

faz mansamente seu ninho
e vive cumprindo o destino
de acordar as manhãs

30 junho 2007

108



H2O
ROGERIO SANTOS

bebo-te em demasia
num gole violento
sedento
na ressaca do dia

escorres
pelo canto da boca
hidratas a garganta
em quase asfixia

estancas o tempo
unguento
mareias o leito
num brinde à orgia

não cabe ferrolho
alimento
antídoto catavento
por detrás da gelosia

27 junho 2007

25 junho 2007

106



Dança de Inverno
ROGERIO SANTOS

não cabe drama
na rama silvestre
na nova estação
a vida prossegue
linha férrea, translação
sintonia no dial
a carregar a música
da folha que viaja
no sopro do inverno
e cumpre destino
de chegar ao chão

105



Escorpião
ROGERIO SANTOS

no mar seco do deserto
um rastro de peçonha na areia
carrega vital teimosia
qual traço na palma da mão
sob o signo de escorpião

20 junho 2007

104



Prisma
Música: Floriano Villaça
Letra: Rogerio Santos

tece o céu quando escurece
pomos matizes na noite
tão azuis as constelações
turmalinas lapidadas
ajeitando a madrugada
para o olhar da minha amada

quando o azul bate nos olhos
e o amor dentro da alma
deixam prisma de arco-íris
simbiose delicada
joga luz por toda estrada
para o olhar da minha amada

e se em plena madrugada
no silêncio desse encontro
guarda o brilho do desejo
deixa trilha pontilhada
feito cauda de cometa

meu olhar segue esse rastro
através da longa estrada
corre estrela por estrela
até virar madrugada
na manhã da minha amada

e se em plena madrugada
através da longa estrada
guarda o brilho do desejo
até virar madrugada
feito cauda de cometa

meu olhar segue esse rastro
no silêncio desse encontro
corre estrela por estrela
deixa trilha pontilhada
na manhã da minha amada



18 junho 2007

103



Embate Gastronômico
ROGERIO SANTOS

Tenho um amigo vegetariano
Vejam vocês que aventura diferente
Logo comigo, um cara suburbano
Que sempre soube onde por os dentes

Me convidou para uma feijoada
Em sua casa lá na Vila Madalena
Eu tava duro e todo endividado
Sem pixo prá passagem eu vendi a antena

O gente fina prometeu-me emprego
Uma cutruca lá de balconista
Eu fui armado de pente Flamingo
E de Gomex com panca de artista

Experiência tenho de açougueiro
Matei cachorro a grito, vendi churrasquinho
Cheguei bem cedo com o meu currículo
Um olho no emprego e outro no petisco

Como era fraca aquela caipirinha
E o lero-lero foi só aumentando
O meu estomago não é de ferro
E minha fome me contrariando

Me senti em convenção de escoteiro
Achei estranho aquele lance todo
Topava um trampo até de coveiro
Que pelo menos eu tava almoçando

Mas foi um choque aquele acepipe
Com cara de torresmo mas com cheiro estranho
Num pururuca e nem tem os pêlo
Saquei a fita que tava rolando

Me expricaro que era de outro níver
Que era fino, coisa de muderno
Prá ser sincero nunca vi aquilo
Nêgo na fejuca envergando terno

O meu esôfago tava fechando
Sai dos trilhos, cheguei na panela
Foi quando vi que a carne de porco
Parecia esponja de lavar tigela

Em feijoada vegetariana
Tofu torresmo e tofú tô mesmo
Eu nunca vi porco feito de soja
E minha fome continua a esmo

14 junho 2007

102



ROGERIO SANTOS

escavado em tronco forte
de madeira nobre,
um cê,
firmou morada
no meu verso

quem vê aquela canoa
singrando mares
cortando luares
nem imagina
que é feita de resto

23 maio 2007

101



Compensado
ROGERIO SANTOS

para alguns sou uma porta
mas sempre mantenho a postura
as vezes me abro demais
tenho ferrugem nas dobradiças
mas é comum que me feche
quando é preciso me tranco
e fico feliz quando lembram
de uma demão de verniz
um mimo que deixa refeita
minha autêntica cara-de-pau

12 maio 2007

100



Menina dos Olhos
ROGERIO SANTOS

levo a lembrança
na mente
por não tê-la
ao alcance
dos dentes

brindo a imagem
perene:
- beijo caliente
a menina dos olhos
ardentes

29 abril 2007

99


( foto by Rogério Castro )

Serra do Cipó
ROGERIO SANTOS

a vegetação rupestre
ganha força na intempérie
um grito na face da pedra
no sopro constante do vento

um sabor de gabiroba
no gosto da chuva que verte
beijando esses poros perenes
formando pequenas piscinas

o ciclo da vida é inscrito
parindo um jardim de bromélias
prá floração de catavento
as cascatas são artérias

27 abril 2007

98


( foto by: Paulo Rodrigues )

Tomada
ROGERIO SANTOS

sobre as janelas
um ponto de vista
:vida em movimento
quadro em mutação

22 abril 2007

97



Nasce um poema
ROGERIO SANTOS

Um poema nasce
na letra,
na agulha,
na linha,
na fresta

nasce no pê,
nasce no a;
na pá

nasce do tê
de quem erra;
na terra

"em","a","na",
aros e elos,
palavra que emana

nasce da paz,
nasce na luz;
fotossíntese

retrato sutíl
sem arestas
ou estas
em fúrias domadas

fecundar um poema
exige trama de sons;
de eis, de ás,
de ois, de seis;
rir em erres abstratos;
sorveres, absorveres

perceber que a chuva
é - chúúúúú-vaaaaa !
palavra molhada de som
a escorrer pelas frestas do corpo

destilar as trovas
da trovoada,
navegar, rebuscar,
hai-cais

bater uma laje;
poema concreto

:um grande soneto
faz-se na face,
velando-se
o sono de um neto

10 abril 2007

96


Palavra Viva
ROGERIO SANTOS

é viva a palavra
que desabrocha
é cachoeira
que sobe morro
e verte poema
que corta que sangra
que enfeita soleira
que é luz lâmpada
céu cumieira
suave nuance
cristal prateleira
vistoso farol
de paixão fevereira
é viva a palavra
que dança que chora
devora as dores
e faz ventilar parideira

28 março 2007

95


Liga Pontos
ROGERIO SANTOS

não sei porque alguns insistem
numa luta contra o tempo
ele, tão bom barqueiro
nos nina em seu travesseiro
nos vela os primeiros passos
abre um leque de sabores
atrela na vida os amores
é um deus da simplicidade

um vivente mais atento
aliado em cada fase
aprende a dançar no tempo
brinda a vida, coisa rara
quem se apega, vão, ciúmento
fatalmente perde tempo
porque o bem maior que fica
é pontilhar seus momentos

até que a vida permita
até que a morte os separe

18 março 2007

94



Revoada
ROGERIO SANTOS

Se o Martim é pescador
É João quem é de barro
Quem te beija é Beija-flor
Então quando pintas, silgo !

Sabes que te Quero-Quero
Vem Saíra-Sete-Cores
Carcará, Tucano-Toco
Rolinha-Fogo-Apagou

Pelos céus da minha terra
Quis dançar com Tangará
Mas bati com Trinca-Ferro
Com seu Bico-de-Pimenta

Foi chegando um Cardeal
Com um bando de Bicudos
Eis que Saí-Amarelo
Deu siricutico-tico...

17 março 2007

93


Disfarce
ROGERIO SANTOS

não venha dar uma de besta
com essa cara de cú
pois isso só comprova
o tamanho da sua cagada

92



Dança de Outono
ROGERIO SANTOS

por entre as paredes soturnas
dos prédios da Avenida Paulista
o som do vento passeia sorrateiro

pelo leito desse cânion urbano
onde vidas deslizam feito água
ninguém se dá conta dos passos

é o outono que pede licença
bate à porta da margem direita
e reinicia seus rituais de dança

na blusa fina da elegante menina
a piscadela derradeira
dita o ritmo da música no salão

a chuva que castiga a cidade
no final do mês de março
carrega de lágrimas o verão

91



Brinquedo
ROGERIO SANTOS

na orelha
um brinco
um aro
um elo


na mão úmida
trêmula
a dúvida
o medo

no carmim
na moldura
da boca
um ninho

no encontro
um desejo
na pele
brinquedo

08 março 2007

90



Velocidade de escape
ROGERIO SANTOS

carrego o brilho de sete luas
uma cauda de poeira prateada
sou um vagabundo do espaço
cruzando a noite no céu da tua boca

salivando amalgamada tinta
das estrelas que caem sem brilho
no campo fértil de um buraco negro
onde a limite é a pura sevícia

contra teu corpo galáxia mistério
prossigo numa elíptica viagem
passageiro espaçonave meteoro
refém da gravidade fora-da-lei

07 março 2007

89


( No detalhe - Gabriel, o mais belo poema de Solange Firmino )

Casa
ROGERIO SANTOS

casa
é
um
mundo
de
onde
se
parte
para
se
fazer
do
mundo
uma
casa

06 março 2007

88



Atraque
Rogerio Santos

não há nesse mundo disfarce possível
nem lenço nem pelo nem pele nem nada
sem choro sem riso sem máscara civil
sem pálpebras jorram teus olhos da alma

não sirva-se assim tanto desconfiada
qual fossem sinais luminárias de albergue
com lentes escuras mudando a prumada
meus olhos bem sabem que a eles persegues

a réplica o tétrico a bruma que tarda
fustigam por dentro no gozo contido
inundam-se fendas nas ventas da alma
separam-se pernas desnudam sentidos

a dança o doce frescor de florada
um raro relógio calado no grito
a língua se banha na terra molhada
um peixe mergulha senhor do infinito

04 março 2007

87



Tapete Mágico
ROGERIO SANTOS

Lá pelas bandas de Minas
No meio dos mares-de-morros
Dizem que mora um caboclo
Que fez um tapete que voa

Não tenho cara de besta
Tenho ouvido calejado
E fui conferir ligeiro
O dono desse legado

Já sabia onde era Minas
Por famoso doce e queijo
Pelas obras mais diversas
Por contos de sertanejos

E pelas belas mulheres
Que abundam por suas ruas
Dizem que são mais de dez
Pra cada homem que atua

Famoso na região
Ouvi dizer que esse tal
Tinha por Patrocínio
A sua terra natal

Mas será o Benedito?
Fazer tapete que voa?
De fato não acredito
Mas tinha ouvido uma loa

E mineiro tem um ritmo
Que segue curso de rio
E rio só é verdadeiro
É água dançando no cio

Quando o nativo proseia
É forte que nem cachoeira
Mas se fala brando e lento
Vê de longe a cabeceira

É soneca e pasmaceira
Depois de uma cachacinha
É viola e tamborzada
Na festa da padroeira

E falando em padroeira
Procurei por Patrocínio
E achei coisa engraçada
( Já viu cabaço de freira? )

O mapa das terras mineiras
Parece uma máscara adunca
Típica cara de bruxa
Num carnaval de Veneza

E Patrocínio onde fica?
Bem no meio do nariz
Por onde circula esse aroma
Carregado de beleza

Eu gostei logo de cara
Dos pés de jabuticaba
Das ladeiras e botecos
Um quintal que não se acaba

Perguntei pela cidade
Pra toda gente que vi
Se ainda morava ali
O dono da habilidade

E toda gente dizia:
- Amigo, ele aqui vivia
Até que num dia calmo
Partiu com o seu tapete !

Procurei pela família
Até deparar no portão
Era o lar de Dona Diva
A oficina do artesão

Foi lá que fiquei sabendo
Das estórias do menino
Que desde muito bem cedo
Dominou tecido fino

Trabalhou nesse projeto
Com astúcia de arquiteto
Costurando ponto a ponto
O mais requintado tapete

A linha era de palavras
O tear de folhas brancas
A tinta de madrugadas
Lembranças de sua gente

Num dia de revoada
Partiu com a passarada
Foi poesia pelas nuvens
Ganhou mundo na tangente

( Em homenagem ao poeta mineiro Nathan de Castro )